Consulta Pública da ANS: O Novo Modelo de Planos de Saúde e Seus
Impactos Jurídicos e Regulatórios
A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) aprovou, em reunião da
Diretoria Colegiada, a criação de um novo modelo de plano de saúde segmentado
para consultas e exames, que será implementado em ambiente regulatório
experimental (sandbox regulatório) pelo período de dois anos. A iniciativa surge
como resposta à demanda das operadoras por um produto de menor custo e tem
como objetivo atrair consumidores que hoje utilizam cartões de desconto e clínicas
populares.
Embora a proposta possa representar um avanço sob a ótica do acesso à saúde
suplementar, traz consigo riscos jurídicos e regulatórios, incluindo:
- Sobrecarrega do SUS
- Evasão dos planos hospitalares
- Dificuldade de credenciamento médico
- Aumento da judicialização da saúde suplementar
Ainda assim, a implementação em sandbox regulatório permite testar a viabilidade
do modelo antes de sua efetiva incorporação ao mercado. - Impacto no SUS e a Possível Evasão dos Planos Hospitalares
A segmentação dos planos de saúde pode provocar migração de beneficiários dos
planos completos para planos restritos, criando dois grandes desafios:
- Aumento da demanda no SUS: Pacientes que aderirem ao novo modelo e
necessitarem de atendimento hospitalar serão encaminhados ao SUS, impactando
ainda mais o já sobrecarregado sistema público. - Desequilíbrio dos planos hospitalares: A evasão de beneficiários pode gerar
desequilíbrio atuarial, elevando os custos dos planos completos e reduzindo sua
atratividade.
Essa dinâmica compromete o próprio papel da saúde suplementar e pode resultar
em uma pressão para que o Estado absorva uma parcela ainda maior da assistência
médica, contrariando o objetivo inicial da regulação do setor.
- Dificuldade de Credenciamento Médico
O credenciamento de médicos em planos de saúde já enfrenta obstáculos
significativos, especialmente em regiões de baixa cobertura. A criação de um plano
com cobertura reduzida pode tornar ainda menos atrativo o ingresso de
profissionais na rede credenciada, pois:
- Os valores de honorários podem ser pressionados para baixo devido ao modelo
de coparticipação e à redução dos serviços oferecidos. - A limitação dos procedimentos pode afastar especialistas, restringindo a
qualidade da assistência. - Pode haver falhas na disponibilidade de profissionais, resultando em filas e
demora no atendimento.
Caso não haja mecanismos eficazes de regulamentação da rede credenciada, esse
modelo pode agravar o problema já existente, elevando a insatisfação dos
beneficiários e ampliando o risco de ações judiciais.
- Risco de Aumento da Judicialização na Saúde Suplementar
A proposta da ANS prevê exclusões expressas de cobertura para atendimentos
hospitalares, pronto-socorro, cirurgias, internações e terapias de alto custo. No
entanto, há precedentes que indicam um possível aumento da judicialização,
especialmente em três aspectos:
3.1. Discussões sobre Urgência e Emergência
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) possui jurisprudência consolidada no sentido
de que a negativa de cobertura para casos de urgência e emergência pode ser
considerada abusiva. Assim, pacientes que necessitem de atendimento imediato
poderão buscar judicialmente a cobertura hospitalar, alegando a função social do
contrato e a essencialidade do serviço.
3.2. Pedidos de Reembolso na Saúde
Diante de dificuldades no credenciamento e na obtenção de atendimento, é
provável que haja um aumento dos pedidos de reembolso para serviços realizados
fora da rede credenciada. Isso pode gerar:
- Maior custo para as operadoras
- Litígios relacionados à interpretação dos contratos
- Discussões sobre a responsabilidade da ANS na regulação do setor
3.3. Conflitos sobre a Rescisão Contratual
A proposta prevê que as operadoras poderão rescindir unilateralmente o contrato
por inadimplência ou fraude, desde que apresentem justificativas. Contudo, a
rescisão motivada pode ser alvo de questionamento, uma vez que o Código de
Defesa do Consumidor (CDC) impõe regras rigorosas para a rescisão unilateral de
contratos de adesão.
- O Sandbox Regulatório Como Alternativa Viável
A opção da ANS por um ambiente regulatório experimental representa um
mecanismo de mitigação de riscos, pois permite:
- Monitoramento dos impactos da medida
- Correção de falhas antes da implementação definitiva
- Ajustes regulatórios baseados em dados concretos
Esse modelo, amplamente utilizado no setor financeiro e tecnológico, possibilita
que o mercado se adapte e que eventuais riscos sejam minimizados antes de uma
decisão final.
Conclusão
A proposta da ANS pode ampliar o acesso aos planos de saúde, mas apresenta
desafios regulatórios e jurídicos que não podem ser ignorados. A segmentação da
cobertura, a possível evasão dos planos hospitalares, a dificuldade de
credenciamento médico e o risco de judicialização são fatores que exigem
acompanhamento rigoroso.
A adoção de um sandbox regulatório é um passo positivo, pois permite que a
consulta pública sirva como um espaço de construção coletiva, com a participação
de entidades médicas, operadoras, órgãos de defesa do consumidor e especialistas
em direito da saúde.
O sucesso desse modelo dependerá da efetividade das regras de proteção ao
consumidor e da capacidade da ANS de equilibrar os interesses das operadoras e
dos beneficiários.